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ÚLTIMOS PASSOS DE UM SUICIDA

Eis que, no Vale das Sombras e da Morte, chega mais um novo visitante! Com passos decididos, caminha sem pressa; seu nome, ninguém sabe. O porquê de estar ali, só ele mesmo sabe; pois, aos seus, nada insinuou ou comentou.

A sua aparência demonstra uma tranquilidade rotineira àqueles que sempre fizeram parte de sua convivência, mas, em seu interior, uma batalha já está praticamente decidida. Restando, apenas, seguir o script existencial de sempre, só que de forma derradeira, para que ninguém pressinta o que já está por vir.

Sobram apenas dois dias, o suficiente para se despedir daqueles que, de alguma forma, foram-lhe camaradas. Escondidas sob frases de agradecimentos, são declarações sutis de um adeus. O tempo parece colaborar como se fora um mero figurante, restando, agora, algumas horas para o desfecho inevitável de uma vida.

O semblante está sereno como nunca estivera antes, mesmo naquelas suas raras situações de extrema calmaria existencial. Porém, antes da autoexecução sumária, coloca, sobre a cama, algumas folhas que escrevera dias atrás, em uma vã tentativa de justificar o erro que está por cometer a si mesmo, o que culminará em uma condenação coletiva. Já que, por ele, pagará perante um hipotético julgamento final, enquanto os seus familiares pagarão, ainda em vida, com o sofrimento que esse ato lhes causará.

Chegada a hora, a serenidade mórbida está ainda mais presente em seu semblante. Seu coração, pela última vez, bate em ritmo normal. Seu olhar nada mais mira, se não o vazio de um abismo ilusório no qual irá se lançar, para nunca mais voltar. Tudo flui de forma rápida, um artefato metálico e esférico sibila breve no ar e atinge um dos seus quatro sentidos, fazendo-o insensível ao som, determinando, com isso, o fim dos demais. Seu corpo, agora inerte, já não mais representa a casa de uma alma que outrora sentia, humanamente, todas as alegrias de uma vida que, nesse momento, escolhera deixar para trás.

O seu nome, apenas os mais próximos saberão. Quanto a nós, seus semelhantes, apenas o conheceremos, através das entrelinhas de uma notícia de jornal, pelo termo insinuado por seu trágico ato.

Criado em: 03/06/2006 Autor: Flavyann Di Flaff

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