Pular para o conteúdo principal

DO ENVELHECER

O destino tem ultimamente me avisado que, em breve, tornar-me-ei criança outra vez. Sinto um incômodo, cada vez que recebo esta insistente lembrança, pois não é de minha vontade, experimentar esta fase de novo, já que estou em circunstâncias, totalmente, distinta.

Voltar a ser criança, não é o mesmo que ser criança! Ainda mais, quando se tem uma estrutura física, social e intelectual avessa a esse tempo pueril, pois quando se é criança, tudo é feito em prol desse recém-chegado ser. Toda atenção lhe é dada, sem que se esforce para isso, e que consiste em muita proteção, carinho e afeto, sem que se exija retribuição. Energia (vigor) e tempo, quase sempre, gastos com experiências infantis – traquinagens, têm-se de sobra. Nunca falta alguém do lado para ajudar e existe, sempre, um esquema voltado para o bem-estar deste rebento.

Quando se volta a ser criança, tudo é diferente, uma vez que ninguém tem a mesma paciência e compreensão de outrora. Nada do que for feito para este vivido ser, será de graça ou de boa vontade, quase ninguém consegue lhe dar a atenção devida, salvo aqueles que se compadecem. Nem sempre as suas súplicas por mais afeto, respeito e proteção serão ouvidas. A sua energia (vigor) e o tempo, já são coisas escassas em sua vida, mesmo que deseje, nada mais lhe será acrescentado.

Quando voltamos a nos comportar como criança, significa que a senilidade já nos atinge e que uma dependência forçada, já fere nosso corpo e alma. Diferente da que se tem, quando se é criança, pois ela é vista como natural, própria de carências diversas, motivadas pela falta total de domínio do corpo e da mente.

         Ninguém, nesse tempo de mudanças degenerativas e inevitáveis, preocupa-se em elaborar um plano que consiga suprir as necessidades de quem chega a essa idade avançada e a senilidade começa a surgir, fazendo-o se comportar como criança. Só que agora, sem o mesmo pique, o ânimo e a mesma desenvoltura de quem quer tudo experimentar e aprender. Pois esse tudo, ele já conhece e sabe muito bem, agora, resta-lhe lutar para não esquecer o que foi e o que ainda é. Porém, para isso conseguir, indesejavelmente, necessita do apoio alheio. Como posso alegrar-me, estando ciente de tudo isso, que já se aproxima essa fase derradeira em minha vida?

Era do meu desejo que pudesse permanecer entre a fase da puberdade, até a, tão falada, fase da maturidade. Porquanto é nesse período que a vida ferve, agita, transforma-nos e nos prepara, em uma eterna onda de experiências e ensinamentos. É nela que os conhecimentos nos chegam aos montes, principalmente, em relação às primeiras paixões. Essas sim, nesse período, é que são mais arrebatadoras e excitantes, a ponto de nos consumir por dentro, sem jamais nos levar a cometer certos absurdos. Contrário a quando se é adulto, visto que as paixões avassaladoras, nesse racional período, podem levar ao suicídio e à prática de assassinatos, denominados de crimes passionais.

Infelizmente, temos que cumprir esse término de jornada (quando nos é permitido), independente de sermos bem tratados ou não, por aqueles que nos cercaram a vida toda, de conseguirmos ter saúde suficiente para superarmos as limitações impostas pelo desgaste natural do corpo e de termos a devida recíproca a tudo que pudermos fazer por aqueles com os quais convivemos.

Durante esse incerto e árduo período, tudo o que passamos será apenas um monte de lembranças, que, em muitas vezes, não conseguiremos descrever. Já que, dificilmente, haverá quem se permita ouvir. Assim, as guardaremos, levando-as conosco para a definitiva morada.

Criado em: 19/05/2004 Autor: Flavyann Di Flaff


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

LOOP FARAÔNICO

  De um sonho decifrado ao pesadelo parafraseado. A capa que veste como uma luva se chama representatividade, e a muitos engana, porque a vista turva. Ao se tornar conveniente, perde toda humanidade. Os sete anos de fartura e os de miséria, antes, providência pedagógica, hoje mensagem ideológica, tornando o que era sério em pilhéria. A fartura e a miséria se prolongam, como em uma eterna praga sem nunca ter uma solução na boca de representantes que valem nada. O Divino dá a solução, e esses homens nada fazem, deixando o povo perecer num infinito sofrer, pois, basta representar, para fortunas obterem. E, assim, de dois em dois anos, os sete se repetem, como num loop infinito de fartura de enganos.   Criado em : 1/6/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

ILUSIONISTA DO AMOR

  O amante é um ilusionista que coloca a atenção do outro no ponto menos interessante, levando o ser amado a se encantar com o desinteressante. Quando o amante se vai, o amado age como um apostador, que, diante da iminência da perda, se desespera e tenta recuperar o que já foi. Mas, ao invés de encontrar o amor perdido, encontra apenas o reflexo de sua própria carência, como quem busca ouro em espelhos quebrados. Restando, então, ao amado, o desafio de enfrentar o vazio, reconhecer a ilusão e descobrir, enfim, que o verdadeiro amor começa, quando cessa a necessidade de iludir ou de ser iludido. Criado em : 14/11/2024 Autor : Flavyann Di Flaff

O JOGO DA VIDA

O jogo da vida é avaliado sob quatro perspectivas: a de quem já jogou e ganhou e desfruta da vitória, a de quem acabou de entrar, a de quem está jogando e a de quem jogou, perdeu e tem que decidir se desiste ou segue jogando. Quem jogou e ganhou, desfruta os louros da vitória, por isso pode assumir a postura que mais lhe convier diante da vida. Quem acabou de entrar no jogo, chega cheio de esperança e expectativas, que logo podem ser confirmadas ou frustradas, levando-o a ser derrotado ou a pedir para sair, permanecendo à margem, impotente diante da vida. Quem está jogando, sente a pressão da competição e, por isso, não se deixa levar por comentários de quem só está na arquibancada da vida, sem coragem de lutar. Quem jogou e perdeu, sente todo o peso das cobranças sociais pelo fracasso, por isso não se permite o luxo de desistir, pois sabe que tem que continuar jogando, seja por revolta, seja para se manter vivo nessa eterna disputa. Criado em: 20/11/2022 Autor: Flavyann Di Flaff