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Mostrando postagens de novembro, 2014

CANÇÃO DA DESPEDIDA

O último dos guardiões parece contar os dias de sua estada terrena. O seu olhar aparentemente perdido, vislumbra o paraíso do descanso eterno. Seus gestos escassos e sem pressa mostram o enfado dos anos e o desejo por tempos de inércia. Como proceder se tudo ali transmite uma mensagem silenciosa de partida, recheada de um “já deu, já é chegada a hora”. A impotência diante do que é anunciado nas entrelinhas perturba, angustia, castiga. O ruim não é a despedida em si, mas a forma como se parte. Não dá para ficar indiferente com aquele que faz parte da sua história, enfim, da sua vida. Criado em: 17/02/2014 Autor: Flavyann Di Flaff

INSPIRAÇÃO

Ei, vento, que venta! Quando expiras, balanças os coqueirais, espalhas as folhas  das mangueiras nos quintais. Ei, vento, que venta! Dependendo da intensidade de tua expiração, sai brisa, ventania ou tornado. Ei, vento, que venta! Não é bullying, é a exaltação de uma característica, que a uns agrada e  a outros desagrada. Ah, que inveja desta venta! Não é questão de gênero, mas de protuberância. Venta que cafunga,  funga no cangote dela, com tanta maestria e destreza, que chega a arrepiá-la. Andavas sumido, porém, hoje, fagueiro, vieste soprar essas  frescas palavras ao pé do meu ouvido. Criado em: 16/11/2014 Autor: Flavyann Di Flaff

CHOQUE DE ORDEM

Desde aquele dia, não fora mais o mesmo! No pensamento certa presença a incomodar, e no coração um sentimento a angustiar. Já não se via, pois o Outro lhe tomara, causando uma estranha sensação de descaso consigo mesmo. Toda essa mudança percebera, mas não dera o devido valor, já que pensara ser uma coisa ínfima, como uma poeirinha de neblina. O tempo passara, como novo adepto de um evangelismo barato, desses vistos e ouvidos em inúmeras denominações que proliferam nas periferias, pregando pretensas soluções para as aflições do cotidiano, fora paulatinamente convertido. Tornou-se definitivamente o Outro. Desde então, a sua vida perdera o sentido, porquanto só esse a significava. Longos foram os dias dessa inoportuna conversão. O passar melancólico do tempo só o fazia esquecer-se de si, até que o não responder do Outro à sua tentativa de se mostrar saudoso gerou um choque de ordem em sua situação. Então, começou a ver que a sua vida estagnara enquanto a daquele se readaptara ao amb

O HORTO DA ANAMNESE

Lembranças são como frutas frescas e maduras na árvore do pensamento. Estão logo ali, sempre prontas para serem colhidas, bastando, apenas, para isso, que a fome – aquele desejo incontrolável do outro – dê as caras. Depois de colhê-las e degustá-las, a fome logo será saciada. As frutas colhidas, rapidamente, são repostas em um ritmo quase industrial. Pois a fome não dá só uma vez, ela, quase sempre, ressurge sem aviso prévio e sem data determinada. No pomar do pensamento não tem criança travessa para atirar pedras nas fruteiras, uma vez que só quem as vê, é o seu proprietário. Naquele elas são imperecíveis, eternas. Permanecem, pacientemente, aguardando o momento de serem colhidas, saboreadas e restituídas, em um ciclo renovado a cada fome sentida.   Criado em:  06/11/2014  Autor:  Flavyann Di Flaff

DA DESCONFIANÇA

Revolvendo os espólios, pedaços de um mosaico construído por palavras e gestos convenientes naquela ocasião, foram surgindo e revelando outras facetas de um passado recente. Um fragmento laranja com rabiscos azuis lhe chamou a atenção e ao decifrar os escritos ali contidos, viu-se um Bentinho introjetado nele, com suas cismas irresolutas, nesse mesmo instante. Aquele período vivenciado, veio em bloco à mente, não tinha como impedir, pois o gatilho fora acionado por aquele pedaço de reminiscência. O corpo estático e o pensamento a milhão fazendo-os revisitar acontecimentos idos, como um arquivista a fuçar tudo o que estava guardado até ali. Porém, não conseguiu achar nada que endossasse o manuscrito, aumentando, ainda mais, a sua suspeição. Ao lembrar-se do semblante de alguém conhecido, é remetido àquela descrição perfeita dos "olhos de cigana oblíqua e dissimulada". Esse inesperado episódio não o impediu de finalizar a organização das coisas. Entretanto, a partir de então,

DAS COISAS QUE FICARAM

As coisas por si só não têm valor algum, mas quando tocadas por alguém de relevância para nós, tornam-se um relicário. Não é fácil pôr ordem numa casa já há muito tempo bagunçada, pois, ao mexer em certas coisas, corremos o risco de nos envolver com a poeira de reminiscências, e assim aconteceu com tudo que fora deixado para trás. A cada objeto manuseado, as lembranças se renovavam como se fossem frescas descrições de momentos vividos em um tempo pretérito. Instantes alentadores capazes de despertar sensações conhecidas, tais como odor, calor e gosto, em um verdadeiro caleidoscópio sensorial. Na arrumação, mais que necessária, o pensamento foi longe e o coração angustiado ficou, suspiros se misturaram com o arfar do peito ambiguamente cansado. O processo fora criterioso, desfaz-se disso ou daquilo, ou continua com as coisas. Nada do que não pertencesse ao contexto da presente vivência poderia permanecer, sob pena de se transformar em indesejáveis bugigangas imateriais. Findo o proces