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Mostrando postagens de março, 2021

RESISTÊNCIA AMADA

Saudades dos romances inocentes de outrora, nos quais tudo era descoberta, pois só se sabia como se comportar através do “ouvi dizer”. Por isso, a magia era certa na troca de olhares furtivos, no pegar nas mãos, no passeio a dois, no primeiro beijo, na ansiedade pelo reencontro e na emoção sentida só em ouvir alguém mencionar o nome do outro em uma conversa qualquer. São tempos e comportamentos que, quase ou nunca, serão resgatados mais. Hoje, a cultura do relacionamento a dois é outra. Os amores, quando aparecem, são tratados como ratos de laboratório nos quais são aplicados todos os tipos de sandices, que só possuem efeitos instantâneos e passageiros, financiadas e propagadas por uma forte indústria pornográfica. Dessa forma, é tirada dos relacionamentos aquela fascinação, uma vez que tudo já é previamente sabido, de forma distorcida, através dos filmes e vídeos dos canais X ou Y. Levando a muitos, para se inserirem na turma, a parafrasearem peripécias divulgadas nesses canais, sem

LEMBREI-ME DE VOCÊ

Ainda sinto a brisa a acariciar o meu rosto, é como se ainda estivesse na praia a esperar a sua presença para, em seguida, ir ao seu encontro. Foi diante de um vasto mar que os nossos olhares se cruzaram. Você estava bela e eu nem um pouco à vontade. Distribuindo sorriso, logo me cativou. Ficamos à distância, olhares vidrados um no outro, mas não insinuamos uma aproximação. Ficamos, assim, por um bom tempo, em êxtase! Decorrido esse tempo, cada um seguiu seu rumo. Noutro dia, nada combinado, naquela mesma praia voltamos a nos encontrar, e a distância pela timidez delimitada, novamente, prevaleceu. A insegurança nos tornava impotentes, sem reação. Muito queríamos nos aproximar, trocar palavras, conhecer um pouco de cada um, saber um do outro e, mais uma vez, fomos comedidos. Parece até que ficarmos um perto do outro era querer muito, quando o que desejávamos, mais que tudo, era saber o que o outro estava sentindo e isso jamais conseguimos saber. Ah, como eu queria ter te abraçado, q

EU ME QUERO DE VOLTA

Ao longo desta caminhada existencial, fui deixando pedaços de mim. Nos lugares por onde passei, nas casas em que morei; com as pessoas que conheci, com as que pouco convivi e com as que íntimas de mim ficaram. Nos sonhos que sonhei, nos que não se realizaram e nos que ainda podem se concretizar. Nas decisões pensadas, nas impensadas, nas tomadas e nas que deixei de tomar. Com quem me entreguei, uns só de corpo, outros de alma e alguns poucos de corpo e alma. Com aqueles queridos que se foram e nunca voltarão. Em cada fracasso, nas horas de medo e impotência, nos momentos de desilusão com a vida. Enfim, em cada fruto gerado por passos, em falso, dados durante os muitos anos de vida. Agora com o cansaço batendo à porta, olho para mim e não me reconheço. Tornei-me um resto de gente, algo muito distante da figura que já fui. Desespero-me, angustio-me por saber que me desconstruía quando só satisfazia as minhas vontades, indiferente ao que era prioridade. Foram nessas ocasiões em que mais

O AUTO DA MATRIX DEMOCRÁTICA

Neste teatro de libação, onde sempre estamos como plateia, os deuses saltimbancos riem, descaradamente, da nossa ingênua ignorância enquanto os adoramos sem distinção. Após a queda do outrora “normal” e com o surgimento do politicamente correto, o teatro de libação passou a ser considerado sacrossanto e cortês, por esse motivo, foi incorporado ao Estado democrático de direito. De tempos em tempos, os deuses saltimbancos criavam seus jograis, sempre com um caráter didático e moralizante, abordando temas sobre a vida e os costumes dos demais cidadãos correligionários, uma vez que estes não podiam insurgir-se contra o que aqueles pregavam. Com aquele ardil, conseguiam naturalizar e internalizar o controle dessa massa em prol de uma embusteira polarização que, endossada por colaboradores do quarto império, fluía com facilidade há alguns anos. Certo dia, nesse teatro, decidiram os deuses fazer algo nunca antes feito, com isso, iriam ficar avant-garde da história. Então, começaram a elab

AFETIVIDADE À FLOR DA PELE

É um erro pensar que os filhos, independentemente da idade, não sabem discernir entre o aconchego material e o abandono afetivo dos pais. Eles têm plena consciência de que este é permutado pelo subterfúgio daquele. Fingem tudo compreender, enquanto morrem por dentro; e seus pais seguem sem assumir essa fatídica omissão.   Criado em: 24/03/2019 Autor: Flavyann Di Flaff  

APARELHAMENTO DA IMPUNIDADE ESTATAL

Depois da execução (ou execração?) pública dos inimigos, como numa limpeza a jato, a nobreza – subproduto do discurso politicamente correto – retorna à sua rotina, e todo o aparato é desmontado, peça por peça, sem muito alarde, para que só reste na memória da plebe a figura do carrasco. Este leva toda a culpa das execuções, enquanto os verdadeiros responsáveis pelos julgamentos falseados seguem impunes vida afora, e os condenados renascem, como fênix, das cinzas para a glória pública, rindo dos crédulos espectadores daquela trágica cena – o 1º de dois atos de um final da comédia pastelão mais badalada da republiqueta. Com a efetivação do desmonte da máquina de justiça, fazia-se necessária a continuação do cumprimento dos acordos feitos durante aquela mágica era de caça às almas sebosas da imoralidade. Assim, a mesma turma que agilizou aquele tornou a agir, mostrando o alinhamento com os interesses “nacionais”. De forma acirrada e com embates orais calorosos, todos imparciais, decreta

FIM DE TARDE

Eu, quando criança, nas horas vazias do dia, ficava a contemplar o sol até ele se retirar do imenso palco azul-celeste. Por não ter ainda o juízo formado, ficava encafifado com esse sumiço, pois não sabia o destino dele.   Certo dia, cansado de nada saber, decidi conhecer onde o sol se embrenhava, depois de findar mais um dia. Quando a luz natural do cenário celeste foi sumindo, fui seguindo, de mansinho, o andar ágil do douradinho, era assim que o chamava. Ele não olhava para trás, seguia sempre em frente, melhor para mim, assim não precisava ficar se escondendo nas moitas do caminho. Não fui muito longe, porque, logo ali na esquina do tempo, o sol dobrou e se encontrou rapidamente com a lua, deu-lhe um ardente beijo e desejou-lhe uma boa noite, até sumir de repente. Fiquei boquiaberto, não desconfiava que ele tinha família, que o dia era a sua labuta e a noite o seu merecido descanso. Neste mesmo instante, lembrei-me do meu velho e saudoso pai, até parece que era colega de trabalho d

TEMPOS DE FOLIA

O barracão estava em festa, a feijoada e a cerveja gelada já denunciavam a alegria iminente. O enredo há muito estava escrito e todos sabiam de cor; a fantasia era velha conhecida, apenas fora remodelada para o momento; o ritmo era o de todos os dias. Mas ninguém lamentava, uma vez que o presente inspirava a catarse futurística. A carnavalização das mazelas sociais bipolares era certa, bastava a oficialização por parte do poder paralelo que, por ali e alhures, dominava tudo e todos. Isto logo aconteceu! A liberação foi irrestrita e para geral vibrar. Como diziam em outros carnavais: a esperança venceu o medo! Com enredo, ritmo e fantasia prontos, o rei Momo só teve o trabalho de incorporar tudo e ciceronear a festa do pão e circo, fazendo com que o povaréu dançasse de acordo com a sua vontade, que por estar longe dos holofotes, cresceu em ambição. Portanto, por ela, que essa festa seja ad infinitum. Criado em: 10/03/2021 Autor: Flavyann Di Flaff

ENGAJADOS DE CRISTAL

Certo dia, foi visto, com estardalhaço, uma massiva propaganda de aguerridos seres em prol de questões das quais nenhum conhecia de fato, mas só de vê-las compartilhadas "a rodo" nas redes sociais, tomaram-nas para si como forma de pertencimento a um grupo qualquer, já que se sentiam deslocados nesse novo mundo de enaltecimento às mais e distintas divisões sociais. Caso alguém os questionasse a respeito, vinham, camuflados pelas suas presenças virtuais – anonimato beligerante –, com ameaças incisivas aos seus novos eleitos desafetos. Estes soldadinhos de cristal estavam expostos numa estante em frente à loja de souvenirs, em um primeiro olhar, pareciam bravos combatentes, invencíveis diante das suas lutas imaginárias. Porém, ao primevo e maioral assédio de uma criança mais afoita, foram todos com as suas caras ao chão, de uma só vez, espatifando as suas artificiais convicções. De suas imagens valentes, ficaram apenas cacos desconexos na parca lembrança de quem por ali passava

LUXÚRIA

Ao sentir a lança fincada na carne, age como um cavalo selvagem que, solto na pradaria, cavalga loucamente, só para sentir o vento da liberdade a balouçar os dourados fios da bela crina na face. Sensação única, que faz pulsar todo o seu ser!   Criado em: 07/03/2021 Autor: Flavyann Di Flaff

SÚPLICAS DE SALVAÇÃO

Arteiro que sou, novo ofício da pós-modernidade, faço arte motivado pelo patológico ócio existencial. Este consome o espaço abissal da psique, levando à produção em massa de conteúdos próprios da abstração do bom-senso. Exponho, apóstata sem convicção que sou, da próstata até a vulva, a depender da convulsão em que estou das coisas momentâneas que me cercam. Às vezes, a bílis de cada dia, fruto das fugas dionisíacas dos problemas que, se enfrentados e resolvidos, levar-me-iam a um degrau a mais no processo evolutivo como ser humano. Noutro dia, exponho a construção abstrata de pelos (juba e pentelhos), apelos de quem quer ser visto pelo avesso, não pelo que está exposto. Todavia, os expectadores não estão dispostos a pensar, decifrar a metáfora que os timbales fazem ecoar em altos decibéis a fim de que alguém coopere com o nascer de uma nova criatura em mim. Entediado, decido expor a verdade absoluta dos ensinamentos alheios, todos distantes de suas próprias realidades, contudo sem

SOFISMA

Discurso político só serve para alienar! Já que não voga quando não há vaga de trabalho; não paga, no fim do mês, ao homem da venda e não enche barriga quando não se tem salário. Afinal, a vida moderna é prática e utilitária, mas insistimos em ignorar tal verdade, apelando para algum salvador da pátria ou alguma misericordiosa ajuda divina.   Criado em: 03/03/2019 Autor: Flavyann Di Flaff