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Mostrando postagens de abril, 2022

TRISTIS FATUM

  Se eu soubesse, quando da minha meninice, que se enamorar por alguém era “um calafrio doce, um susto sem perigos”, jamais fugiria como fugia quando lhe via. Permaneceria estático na sua reta, tentando alcançar a meta, que era conquistar você. Mas como eu, Lia, de Rosa nada sabia, pois benquerer é coisa subjetiva, não percebi que, um afeto por mim, ela nutria. Assim, ao saber primeiro, silenciosamente, você sumiu da minha vista, e desde então, tornei-me um deserdado nas veredas da vida afetiva, enredado pelas tramas do coração. Vivendo como uma sombra, que seguindo quem lhe serve de guia, nunca conseguirá alcançá-lo de verdade. Amargurado, tendo a solidão por companheira, vivendo de seu favor, por ela fui homiziado. Mendigando-lhe consolo, mesmo estando junto comigo, só consegui silêncio e indiferença, sentindo-me o mais completo tolo. Por tudo isso, dentro desse meu coração bestializado pela desgraça repentina, já não há mais espaço sobrando para sentimento largo. Parco e frio é o

SEMPRE DANÇANDO

O último carnaval foi há dois anos. De lá para cá, o que não faltou foi inspiração para os decompositores da coisa pública. Ah, não resistimos aos carnavais que eles fazem! Quando se juntam os Três Mosqueteiros, que, na verdade, são quatro, a criação de enredos mirabolantes aumentam de forma significativa, e a folia acontece com todo o incentivo midiático e apoio popular. Independentemente do enredo principal, sambamos com gosto e vontade. Dançamos todos, embalados pelos acordes maliciosamente arranjados em um marketing emocional certeiro. Não há tragédia que constranja, pois o espetáculo deve continuar. Afinal, os especialistas disseram que o carnaval foi criado para fugir dos problemas cotidianos e não como consequência de fugazes alegrias. Sob os calorosos aplausos de um público dividido, uma vez que cada um tem a sua escola de estimação, o desfile das alegorias sobre temáticas em evidência segue democraticamente, pois, assim, o engajamento da massa é total.  Levados por tão e

REI DA PATUSCADA

  Com esse carnaval, fora de época, bancado, a ferro e fogo, pelo quarto poder e seus colaboradores. Lembrei-me do grande desfile de máscaras e fantasias que acontecerá logo mais. Nele, não tem um participante que queira desfilar com trajes de capeta, todos, sem exceção, desfilarão como anjos ou santos. Nenhum partícipe quer ser hors concours , apesar de autodenominarem-se pessoas excepcionais, magníficas e extraordinárias no que fazem. Afinal, todos concorrerão, na categoria de Salvador da pátria, ao grande posto de rei da folia e, dessa disputa, ninguém quer ficar de fora. Criado em: 22/04/2022 Autor: Flavyann Di Flaff

ARREMEDOS DE VIDA

De forma indiscutível, somos palhaços de nossas perdidas ilusões a distribuir risos zombeteiros aos autoflagelados curiosos pelas agruras alheias. Somos todos habitantes de um mundo em constante decadência física e moral, divididos em sociedades irremediavelmente doentias. Eternos fugitivos de si mesmos! Como se fosse possível fugir do encontro inexorável que gera a autoconsciência de nossas reais condições existenciais. Sigamos, então, como se estivéssemos numa ópera bufa, cantando para disfarçar os males que nos consomem dia a dia.   Criado em: 19/04/2022 Autor: Flavyann Di Flaff

WI-FI

Depois de saírem de um emaranhado de relacionamentos, ansiosos e inseguros, conectaram-se. Em vídeos promocionais virais, viram-se. Convencidos pela primeira impressão, encontraram-se. Dali em diante, absorvidos pelo imediatismo das obrigações cotidianas, encontravam-se para cumprir a formalidade relacional recente. As vozes transcritas soavam como letras frias de uma lei determinada monocraticamente. Quem as lia, não percebia nenhum sinal da mais frágil emoção nelas, por isso sentia a necessidade de colocar, de acordo com seu estado emocional, a impressão que bem lhe calhava no momento. As conversas frugais transformaram-se em textões impossíveis de serem lidos; os pedidos carinhosos, em cobranças constantes por respostas imediatas. Uma polifonia destoante da realidade vivenciada instalou-se. O que era uma explicação plausível transformou-se em arrogância; o que era sensatez, flecha mortal no corpo automutilado por impertinentes contingências. Rompendo, de vez, com a invisível con

A ROUPA DO NOVO REI

A pouco, começaram os preparativos no reino continental de Vera Cruz. De acordo com declarações da corte, todos que dela fazem, fizeram parte ou orbitam ao redor dela, podem contribuir para esta campanha. Afinal, o grande concurso se aproxima e todos os representantes devem apresentar-se com as suas melhores roupas. Os participantes já começaram a costurar ou a se desfazer de suas alianças, outros até foram capazes de derreter seus anéis, tudo para ornarem as suas capas e afins. A principal regra do concurso é customizar, o máximo possível, as roupas. Uma vez que serão elas as responsáveis pela vitória ou derrota dos candidatos. Um fio solto ou desalinhado dos demais, pode causar julgamentos, o que vai desqualificar a imagem de quem a usa. Ela deve chegar o mais próximo possível da realidade dos julgadores, só assim os sensibilizarão, induzindo-os emocionalmente a votar nesse que os tocou. O desfile em rede nacional é o único evento em que os nobres da aristocracia e seus pretend

ONOMÁSTICA

Ontem, era Verbo; hoje, pela customização, foi substantivado, e se tornou comum. Ontem, era hedonismo; hoje, é empoderamento. Ontem, harmonia; hoje, conivência. Ontem, amor; hoje, sentimento de posse; Ontem, era o esconderijo do encanto – metáfora; hoje, é a suavização do desencanto – eufemismo barato. Ontem, era renunciar ao ridículo – privacidade; hoje, é exibir a devassidão particular – ostentação. Ontem, era obscurantismo; hoje, é falta de vontade administrativa. Ontem, grosseria; hoje, lacração. Ontem, difamação; hoje, tombação. Ontem, proselitismo; hoje, engajamento. Para, enfim, tudo isso tornar-se atemporal; e antes de dizer que não há nenhuma mudança, ela existe, porém só depois do ato de nomear.   Criado em: 03/04/2022 Autor: Flavyann Di Flaff

ALUCINADO

Quando a vida lhe descortinou as verdades do mundo, nesse momento, deixou de ser criança. Ainda assustado, retraiu-se e viveu limitado em si mesmo, o que lhe causou inúmeros desenganos, enchendo de amargor o que de doce ainda existia em sua vida. Desesperado, optou pelo entorpecimento, e mergulhou nas compulsões que, depois da satisfação momentânea, sempre deixam o vazio por consequência. Praticando o hedonismo, numa noite de viagens mundanas, viu-se criança e chorou. Não porque sentia-se fragilizado e impotente diante da realidade que o cercava, mas por ser irreal e temporário esse mágico momento. Então, despertou! Criado em: 03/07/2021 Autor: Flavyann Di Flaff