Pular para o conteúdo principal

WI-FI

Depois de saírem de um emaranhado de relacionamentos, ansiosos e inseguros, conectaram-se. Em vídeos promocionais virais, viram-se. Convencidos pela primeira impressão, encontraram-se. Dali em diante, absorvidos pelo imediatismo das obrigações cotidianas, encontravam-se para cumprir a formalidade relacional recente.

As vozes transcritas soavam como letras frias de uma lei determinada monocraticamente. Quem as lia, não percebia nenhum sinal da mais frágil emoção nelas, por isso sentia a necessidade de colocar, de acordo com seu estado emocional, a impressão que bem lhe calhava no momento. As conversas frugais transformaram-se em textões impossíveis de serem lidos; os pedidos carinhosos, em cobranças constantes por respostas imediatas.

Uma polifonia destoante da realidade vivenciada instalou-se. O que era uma explicação plausível transformou-se em arrogância; o que era sensatez, flecha mortal no corpo automutilado por impertinentes contingências. Rompendo, de vez, com a invisível conexão entre eles. O que produziu um virtual desconforto, induzindo a um compartilhamento que foi curtido e comentado por geral, gerando o engajamento almejado. Na verdade, a conexão que existia era individualizada, uma vez que cada um possuía a sua, baseada em dados móveis, que em nada foram alterados. Afinal, pagando a fatura, serão renovados automaticamente.

Assim, findou um relacionamento moderno. Sem olho no olho, sem argumentos consistentes, sem réplica ou tréplica, simplesmente, em dois cliques: um para bloquear e outro para excluir.

Criado em: 16/04/2022 Autor: Flavyann Di Flaff

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUNDO SENSÍVEL

  E toda vez que eu via, ouvia, sorria, sorvia, sentia que vivia. Então, veio um sopro e a chama apagou.   Criado em : 17/01/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

ILUSIONISTA DO AMOR

  O amante é um ilusionista que coloca a atenção do outro no ponto menos interessante, levando o ser amado a se encantar com o desinteressante. Quando o amante se vai, o amado age como um apostador, que, diante da iminência da perda, se desespera e tenta recuperar o que já foi. Mas, ao invés de encontrar o amor perdido, encontra apenas o reflexo de sua própria carência, como quem busca ouro em espelhos quebrados. Restando, então, ao amado, o desafio de enfrentar o vazio, reconhecer a ilusão e descobrir, enfim, que o verdadeiro amor começa, quando cessa a necessidade de iludir ou de ser iludido. Criado em : 14/11/2024 Autor : Flavyann Di Flaff

ALICIADORES DA REBELDIA

         Nasce no asfalto quente, entre gritos roucos e cartazes mal impressos, o suspiro inaugural de um movimento popular. É frágil, mas feroz feito chama acesa em palha seca. Ninguém lhe dá ouvidos; zombam de sua urgência, ignoram sua fome de justiça. É criança rebelde pulando cercas, derrubando muros com palavras – ferramentas de resistência.           Mas o tempo, esse velho sedutor, vai dando-lhe forma. E o que era sopro, vira vendaval. Ganha corpo, gente, força, rumo. A praça se enche. Os gritos, antes dispersos, agora têm coro, bandeira, ritmo, batida. E aí, justo aí, quando a verdade começa a doer nas vitrines do poder, surgem os abutres engravatados — partidos, siglas, aliados, palanques — com seus sorrisos de vitrine e suas promessas de espelho, instrumentalizam o movimento para capitalizar recursos e influência política, fazendo-o perder a essência.           Chegam mansos, como quem só...