Quando soube que um doutor fora exposto ao
ridículo em cadeia mundial, sentiu-se feliz por ser réu primário em uma sociedade
cruel que muito cobra sem nada de bom oferecer. A sua vida não era lá grande
coisa, rotina básica de sobrevivente de uma metrópole. Invisível física e
socialmente, já se conformara, a ponto de não fazer a mínima questão de ser
alguém notável. Era um residente em trânsito. Qualquer lugar que desse para
aboletar a sua carcaça cansada se tonava seu novo endereço. Certa vez,
conseguiu abrigar-se em um casebre abandonado, lá foi ficando, ficando... até fazer parte do censo demográfico da região. Fez conhecidos e até vizinhos, o
que nunca conseguira, já que permanecia poucas horas nos lugares por onde
passava.
Familiarizado com tudo e com todos, do abandonado fez morada frequentada. Sempre havia quem o requisitasse para uma prosa. Outras portas foram abertas, extasiando o humano que nele existia, mas que fora, brutalmente, transformado em bicho por longos anos de luta pela sobrevivência. Depois do calvário, veio a ressurreição. A sua humanidade ressurgia com toda a força. A convivência saudável e constante com os outros era o alimento que fortalecia o antes aprisionado homem. Hoje, já se sentia refeito, contudo consciente de sua insignificância no micro cenário socioeconômico de seu novo bairro.
Criado em: 02/07/2020 Autor:
Flavyann Di Flaff
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