Pular para o conteúdo principal

RESSURRETO

Quando soube que um doutor fora exposto ao ridículo em cadeia mundial, sentiu-se feliz por ser réu primário em uma sociedade cruel que muito cobra sem nada de bom oferecer. A sua vida não era lá grande coisa, rotina básica de sobrevivente de uma metrópole. Invisível física e socialmente, já se conformara, a ponto de não fazer a mínima questão de ser alguém notável. Era um residente em trânsito. Qualquer lugar que desse para aboletar a sua carcaça cansada se tonava seu novo endereço. Certa vez, conseguiu abrigar-se em um casebre abandonado, lá foi ficando, ficando... até fazer parte do censo demográfico da região. Fez conhecidos e até vizinhos, o que nunca conseguira, já que permanecia poucas horas nos lugares por onde passava.

Familiarizado com tudo e com todos, do abandonado fez morada frequentada. Sempre havia quem o requisitasse para uma prosa. Outras portas foram abertas, extasiando o humano que nele existia, mas que fora, brutalmente, transformado em bicho por longos anos de luta pela sobrevivência. Depois do calvário, veio a ressurreição. A sua humanidade ressurgia com toda a força. A convivência saudável e constante com os outros era o alimento que fortalecia o antes aprisionado homem. Hoje, já se sentia refeito, contudo consciente de sua insignificância no micro cenário socioeconômico de seu novo bairro.

Criado em: 02/07/2020 Autor: Flavyann Di Flaff


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ILUSIONISTA DO AMOR

  O amante é um ilusionista que coloca a atenção do outro no ponto menos interessante, levando o ser amado a se encantar com o desinteressante. Quando o amante se vai, o amado age como um apostador, que, diante da iminência da perda, se desespera e tenta recuperar o que já foi. Mas, ao invés de encontrar o amor perdido, encontra apenas o reflexo de sua própria carência, como quem busca ouro em espelhos quebrados. Restando, então, ao amado, o desafio de enfrentar o vazio, reconhecer a ilusão e descobrir, enfim, que o verdadeiro amor começa, quando cessa a necessidade de iludir ou de ser iludido. Criado em : 14/11/2024 Autor : Flavyann Di Flaff

LOOP FARAÔNICO

  De um sonho decifrado ao pesadelo parafraseado. A capa que veste como uma luva se chama representatividade, e a muitos engana, porque a vista turva. Ao se tornar conveniente, perde toda humanidade. Os sete anos de fartura e os de miséria, antes, providência pedagógica, hoje mensagem ideológica, tornando o que era sério em pilhéria. A fartura e a miséria se prolongam, como em uma eterna praga sem nunca ter uma solução na boca de representantes que valem nada. O Divino dá a solução, e esses homens nada fazem, deixando o povo perecer num infinito sofrer, pois, basta representar, para fortunas obterem. E, assim, de dois em dois anos, os sete se repetem, como num loop infinito de fartura de enganos.   Criado em : 1/6/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

MUNDO SENSÍVEL

  E toda vez que eu via, ouvia, sorria, sorvia, sentia que vivia. Então, veio um sopro e a chama apagou.   Criado em : 17/01/2025 Autor : Flavyann Di Flaff