Chegara com a cara e a coragem, coisas que
em nada lhe ajudaram, pois não chegara a lugar nenhum no espaço socioeconômico.
Passados os anos, conseguiu visibilidade entre os seus futuros pares. O idioma
o ajudou, já que eram línguas irmãs, não siamesas, porém semelhantes. Se bem
que lá na sua terrinha, não fora um bom aprendiz, o que conseguiu, deu para o
gasto.
Com o trabalho que conquistou, conseguiu
se instalar em um bairro na periferia que ficava a poucas horas de onde trabalhava.
Por sua boa feição e carisma, ficou conhecido como galanteador. Uma fama que
lhe abriu portas mas trouxe desafetos, os quais desconhecia.
Sempre que podia, quando retornava do
trabalho, tomava uma caipirinha com os vizinhos da rua. Todos gostavam de sua
companhia e de sua fala estranha, ainda mais por cometer alguns erros gritantes
em suas falas, que tanto os faziam rir. Levava tudo na esportiva, pois também
gostava daquelas companhias.
Certo dia, engraçou-se da vizinha, uma
morena linda, chamada Rosa. Depois dela, seus dias não foram mais os mesmos.
Seus olhos e seus pensamentos eram só para ela. Mas nem só de pétalas é feita
uma flor, há de ter alguns espinhos, e Rosa os tinha, todos em forma de uma
relação conturbada com um rapaz. O que deixou Quincas triste, porém, ainda
desejoso por ela. Tanto que fez, que a morena em um desses momentos de raiva,
para dar o troco, aceitou o assédio dele. Aí, não deu outra, juntou-se o
desejo de um com a vingança do outro e o enlace se deu naquela mesma noite. Mal
amanheceu o dia e todos já sabiam do acontecido. Ambos eram de uma satisfação
contagiante. Ele por ter conquistado Rosa e ela por ter se vingado do seu
companheiro bruto. A partir daí, era um tal de ir vir na vizinha, que era
impossível dos outros vizinhos não repararem.
Quincas mal chegava e se sentava à mesa
com os colegas, logo se levantava dizendo que iria ali na vizinha, o que todos
retrucavam dizendo: − Não é na vizinha, Quincas! Mas sim, vou à vizinha. Olha o
erro! Quincas sorria e apressava o passo, pois a felicidade já se estampava no
rosto e o esperava no quarto.
Assim o Quincas levava a vida, de casa
para o trabalho, deste para a reunião com os colegas e em seguida, ir na
vizinha. Até que um dia, da rosa renasceu o espinho. Sem nada perceber, Quincas
cumpria a sua feliz rotina. Quando chegou na vizinha, ela estava como de
costume, linda, cheirosa e solícita. Mal sabia ele, que, para ela, aquela seria
a noite da despedida. Consumado o ato, ela hesitou e nada revelou. Quincas,
feliz da vida, saiu como se amanhã tudo se repetisse, nem percebeu que um
estranho o observava com olhos de fogo.
A noite fora violenta, parecia que um
vendaval passara pelo jardim e abalara a bela flor. Todos perceberam, mas silenciaram
a curiosidade... até Quincas chegar para cumprir o seu agradável costume.
Quando, mais uma vez, levantou-se para ir na vizinha, todos, em uníssono,
pediram que deixasse para amanhã, pois Rosa se mostrou indisposta, com ares de
cansaço, esse relato não o convenceu, pelo contrário, o fez mudar apenas de
estado, de feliz para preocupado. Então, não se conteve e foi até à casa de
Rosa, porém ela não estava lá. Inquietou-se e resolveu entrar em sua casa,
tomar um banho para esfriar a cabeça, que já estava a pensar mil situações,
todas elas, desagradáveis. Sabia que não dormiria naquela noite, então, decidiu
sentar na entrada de sua casa e ver se Rosa chegava. Entretanto, naquela noite,
ela não viria, e o velar de Quincas seria em vão. Os colegas, por curiosidade
mais do que por companhia, permaneceram por um tempo a conversar com ele, e
vencidos pelo sono, foram para suas casas. O que, felizmente, motivou-o a
fazer o mesmo, apesar de querer permanecer em vigília.
O dia amanheceu nublado, Quincas quase não
se levantava para ir ao trabalho, mas não podia faltar, sempre fora fiel à
empresa. Seguiu pensativo, querendo, através de sua mente, descobrir o que se
passara com Rosa. Enquanto cumpria o seu horário de serviço, lá na rua, Rosa
chegava toda prosa, como se nada de diferente tivesse acontecido. Cumprimentou
a todos, distribuindo aquele dadivoso sorriso, no rosto as marcas do vendaval
já não estavam visíveis, só restavam em sua alma, coisa que só ela sabia.
Entrou em sua casa e arrumou o recinto, deixando-o no capricho. O que se passou
na noite anterior, ficou guardado consigo, talvez ninguém venha a saber, nem
mesmo o Quincas. Mas naquele instante, o seu pensamento nem sequer sugerira a
sua figura, estava absorto, vagando em confabulações vãs.
A noite chegou e Quincas mal parou para se
reunir com os colegas, já passou direto para casa, na certeza de reencontrar a
flor arrancada de seu jardim. Assim que se aproximou de sua residência, dirigiu
o olhar para a de Rosa, viu as janelas abertas e um vulto lá dentro. O coração
acelerou, quase teve um ataque, mas se controlou e foi ter com aquela que
mandava em seus sentimentos. Rosa achava-se envolta nos afazeres domésticos,
nem percebeu a presença dele. Este, hesitou, temeroso pela reação dela.
Respirou fundo, pensou no que falar e assim disse: − Boa noite, Rosa! Ao ouvir
o seu nome proferido por tão conhecida voz, virou-se com ar de feliz surpresa,
apesar de não esperar vê-lo naquela noite. O clima naquele ambiente, de
repente, deu sinais de pesar, e logo perceberam, o que os levou a sentar e
conversar como de costume. Mesmo sabendo que, em cada cabeça, um pensamento
distinto fizera morada.
Durante a conversa, os olhares se
cruzaram, embora só um assim o desejasse. Ela falou o necessário para aplacar a
angústia de Quincas, que saiu dali com lisonjeira esperança. Porém, Rosa,
sorriu ao lembrar que ele fora o tolo à custa de quem usou para se vingar do
outro.
No dia seguinte, Quincas acordou
cantarolando. Sinal de que a felicidade, novamente, inundava-lhe a alma.
Aprontou-se e foi cumprir com sua rotina diária. À noite, quando chegou em
casa, percebeu as luzes da casa vizinha apagadas, contudo um burburinho
indiscreto ecoava pelas frestas das janelas. O seu rosto empalideceu, o arfar
agitado fazia o seu peito soerguer-se. Não se conteve e decidiu dar um basta
naquela dúvida cruel, que, agora, lhe consumia. Silenciosamente se aproximou da
janela e pôs-se a escutar os sons que percorriam todo o interior da casa e se
debruçavam, como a fazer chalaça de quem por ali passava. Afrontado, aguçou os
ouvidos e conseguiu definir a quem pertencia uma das vozes sussurradas, não
fora surpresa, já que na sua mente tudo se anteverá. Lembrou-se das suspeitas
que Bentinho, um de seus colegas, lhe confidenciara acerca do sumiço repentino
de Rosa, o que o deixou afogueado. Quantas noites desfrutaram juntos, todas
repletas por trocas de carinhos, carícias e juras de amor. Como por feitiço,
capricho ou por desdita, uma vez que não queria acreditar numa mudança rápida
de sentimentos, estava tudo ali, jogado na lama dos julgamentos alheios.
Sua mente e seus sentimentos entraram em
alvoroço, que debalde tentou conter. Deixou-se, então, ser tomado por aquele
sentimento oposto ao amor que sentia e em fera se transformou. Num impulso,
viu-se dentro da casa a caminho do quarto, que em outros tempos, era o seu
ninho de amor. Quanto mais se aproximava, mais os sussurros evidenciavam as
indecências ali praticadas. Cego, atirou-se sobre o corpo desnudo, que, estando
de costas, não esboçara nenhuma reação. Só sentira o peso e a força de socos,
sem nada entender, para, em seguida, responder com gritos de socorro. O
companheiro, que há pouco se ausentara para buscar uma bebida, já atendeu ao
agônico chamado de arma em punho. Quincas, irracional, não se deu conta do que
estava por acontecer e continuou desferindo, sem cessar, os socos de desforra.
Gerando a reação mortal do seu desconhecido desafeto. Dois disparos foram
feitos, o suficiente para acabar com o sofrimento de ambos.
O dia amanheceu com a seguinte manchete nos jornais: ASSASSINARAM O PORTUGUÊS! Os colegas bem que o avisaram, mas, cego pela paixão, Joaquim não percebia o erro que cometia, quando dizia: vou na vizinha.
Criado em: 02/07/2020 Autor:
Flavyann Di Flaff
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