Era início dos anos 80, a efervescência
dos embalos de sábado à noite ainda permanecia vigorosa entre os jovens dessa
década, e apesar do tempo da brilhantina ter cedido naturalmente o seu lugar, a liberdade impulsiva, que nele despontou, transpassou décadas e internalizou-se
nas gerações sucessoras, em um dancing days sem fim.
Foi bem nessa época em que descobri o
desejo pelo ser oposto, porque, até então, de afeto, só conhecia o da família e
o da amizade, desconhecia, portanto, essa nova nuance. Interessante que as
paixões se sucediam na mesma velocidade em que desvendava e conhecia esse
inexplorado território emocional. Depois da descoberta dessa faceta afetiva,
meus olhos – dedo de Midas – tudo o que tocavam, transformavam em objetos de
paixão.
Certa noite, quando da data comemorativa da padroeira local cuja celebração era realizada com missas, lapinha ou pastoril (cordões azul e encarnado), quermesse e parques com direito à canoa, roda-gigante, bate-bate, pescaria, tiro ao alvo e afins; rolava uma festinha americana, na casa de conhecidos, regada a músicas da parada de sucesso do momento. Tempo em que cada faixa etária tinha o seu tipo de diversão, porque, até então, não era permitido tudo junto e misturado, o que, devido à minha idade, fez-me ficar ao largo, só ouvindo e bisbilhotando aquele universo encantado da adolescência. Porém, como já mencionado, eu estava com o olhar do rei da Frígia, e ao mirar para o salão improvisado, lá estava ela, cabelos encaracolados, vestida na moda, corpo em perfeita sintonia com o som que reverberava mundo afora (Stayin' Alive) − celebração dionisíaca moderna.
Apesar da profusão de sons e luzes (música,
sussurros, falas, gritaria, luminárias policromáticas e globo espelhado), nada
tirava o meu foco daquela figura singular. Dentre tantos acessórios
desnecessários, pois sua beleza natural independia deles para prevalecer, um
tornou-se o símbolo dessa minha nova paixão: o par sedutor composto por
sandálias plásticas e meias soquetes com fios metálicos coloridos. Foi como se
tivesse sido transportado por todo o arco-íris e chegado ao valioso tesouro no
final, tal foi o êxtase sentido por mim naquele momento.
Embora ainda estivesse tomado por forte enleio, contive-me, e sob a penumbra da minha timidez pré-adolescente, vi a garota sair rumo à outra diversão. De início, segui-a só com o olhar, depois, a passos lentos, até vê-la se acomodar no assento da roda-gigante. Quando o brinquedo começou a girar, fui aproximando-me de mansinho, até ficar bem próximo afim de observar, de baixo para cima, aquela que prendia o meu encantado olhar. Não sei quanto tempo ali permaneci, imaginando, dias e dias, nós dois dançando ao som de "How deep is your love", enquanto eu, ao pé do ouvido dela, perguntava o que sentia por mim. Até hoje, não fiquei conhecedor da resposta. Mas o que importa é que aquele instante foi o suficiente para que essa cena ficasse em minha mente para o resto da vida.
Criado em: 23/06/2020 Autor:
Flavyann Di Flaff
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