Com o fim das cruzadas, empreendimento
para solucionar um mal e reconquistar as liberdades perdidas, tornou-se figura
comum entre as autoridades das cortes e seu aparecimento concorreu para
aumentar o imaginário popular. Vestia uniformes espalhafatosos, com muitas
cores e acessórios bizarros, que mais se assemelhavam com guizos dependurados.
O truão de tanto representar e se
apresentar nas cortes, notou, inteligente que é, que, quando atuava, conseguia
atrair a atenção de todos para si. Desse modo, tomara consciência de que causava o mesmo
efeito que o flautista de Hamelin, os discursos dos preletores religiosos e o
encantador de serpentes. Em vista disso, certo dia, ainda sonolento, pensou que podia
ser soberano e ter todo o reino em suas mãos, à disposição de suas caprichosas
esquisitices.
Em sua mente, começou a arquitetar formas
de conseguir seu onírico intento, afinal, imaginação não é um item em falta em
sua natureza. Assim, decidido, partiu da bolha real para os recônditos do mundo
real e foi ao encontro daqueles, a plebe, que eram a maioria e que faziam o
reino ter sentido. Percorreu por condados, vilarejos e afins, sempre achacando
as autoridades reais, através de suas apresentações tomadas de bazófia. Nessa
longa viagem, com itinerário e paradas predeterminadas, de sua digníssima pessoa
ao interior da terra monárquica, a muitos convenceu, a ponto de conseguir recrutá-las
para o seu propósito. De volta à bolha real, cansado que estava, entrou em seu cubículo
e adormeceu. Já acordou senhor de tudo, como se tudo já fora seu desde sempre. Tal
qual no baralho, o agora seu reino, tinha para mais de cinquenta famílias a seu
dispor e enquanto autoridade suprema, segundo uma das muitas leis existentes,
bastava uma autodeclaração para se ter o reconhecimento formalizado. Logo, autodecretou-se
Curinga – aquele que pode alterar o jogo radicalmente – e começou a imitar as
atitudes e os gestos daqueles que o antecederam, uma delas, por sinal, era a de
promover declarações nec caput nec pedes (habet), porém com a intenção
oculta de sempre fazer com que todos as replicassem, instigando, com isso, a
plebe à desordem social.
Em curto espaço de tempo, as suas declarações
e atitudes, sem noção alguma, muitas vezes, divergentes, levaram o reino a uma
direção contrária ao que preconizavam os protocolos diplomáticos. O que em nada
o abalava, já que sendo o rei, proclamado pela maioria, estava imune a qualquer
consequência proveniente de delações caluniosas. Entretanto, como já diziam: a
intimidade dá origem a muitas coisas, mas raramente respeito e jamais
adulação. Dentre aqueles que o rodeavam e sempre foram seus espectadores, um,
como todos do reino, teve suas expectativas frustradas e senhor de várias
conversas de alcova, fez proclames que culminaram na destituição do rei, tendo esse como consolo, retornar à sua condição primeva.
A queda do truão foi comemorada nos quatro
cantos do reino e fez brotar uma esperança de dias melhores nos inocentes
corações da plebe. Mas essa crença em mudanças de melhoria nas condições de
vida dessa gente, a partir da alternância de poder, é como o rastejo do calango em folhas secas, que nos faz ter a impressão da presença de um bicho grande se aproximando, quando, na verdade, de grande, o que existe é só o barulho. Assim aconteceu no
reinado do rei encantado.
Criado em: 09/05/2020 Autor:
Flavyann Di Flaff
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