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O CÃO

                             

Apresentou-se para mim num estado deplorável. Visivelmente, doente, faminto e despido de tudo. Essa imagem me condoeu a ponto de abrir a porta e trazê-lo para dentro do meu lar. Compartilhei casa, comida, cama e vida, crente de que o nosso encontro tinha um propósito. Com o tempo, refeito e dono de si e de mim, foi exercendo dissimuladamente o seu domínio. Quando me vi, já estava satisfazendo os seus caprichos. O seu latir era enfático, impondo-me vontades animalescas. Depois de sua presença em minha vida, atrai a indiferença de alguns, a ira de outros. Fiquei condicionado a encargos exercidos em horários de acordo com o seu bel-prazer. Alienado da minha própria realidade, era todo dedicação a ele. Perdendo a noção total da relação entre senhor e escravo, pois já não discernia quem era quem. A convivência com esse ser iluminado me deixou ofuscado, como cego que fui, diante de seu olhar visionário. Então, exausto da repentina decadência, uma vez que, como Fausto, me fiz tolo, pactuando com quem nada de bom me oferecia, rompi o ciclo maléfico e me lancei ao Universo das possibilidades positivas.

Criado em: 29/01/2021 Autor: Flavyann Di Flaff

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