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EPOPEIA EXISTENCIAL

Cada vez mais fragilizado de si,
um Don Quixote sem sonhos, inventou
marés de amores ondulantes
que iam e vinham sem nada deixarem,
a não ser resíduos de alheias paixões!
A vida o encurralava no meio fio
das sarjetas por onde corria a insegurança
como poemas inacabados, formando monturos
em suas brancas cobertas –
areias movediças de incertezas.
Caixeiro-viajante do tempo, suspirou nostálgico,
engolindo em seco as lembranças da vida dupla,
tripla e as tantas outras mais que já teve,
as quais hoje o modismo
trata como “fake”, “artificiais”.
Sentiu o baque ao debruçar o olhar no
espelho, numa vã esperança de apagar
as marcas do tempo já vivido.
Sobre a cama perfeita e arrumada para
a autoestima em acelerada decadência,
descobriu que esta carência é o desespero do seu eu
ao se ver afogando nas águas do amor-próprio.
O ego fez morada na escuridão
de seu coração vazio, em razão
daquela única desilusão que o arrasta
pelas tabernas e leitos, herdando apenas
o brilho da chama dos desejos vãos,
permanecendo tatuado em sua retina
para todo o sempre.
Fez desses envolvimentos fugidios
o seu único meio de saciar
esse prazer masoquista que o assola,
tentando buscar, inutilmente,
aquilo que lhe tomaram.
Levando-o a fazer mais caso daqueles do que de si,
praticando a autodescompaixão, subordinando
tudo às próprias vaidades, na imperfeição
característica desse mal-estar que o destroça.
O peito, por vezes, aperta, expulsando a lágrima
que escorre pelo tinteiro e borra a folha.
Sorri para dentro, apertando o laço dessa nova
e iluminada amizade que, despretensiosa,
acende a candeia da vida.
Mostrando-lhe que nenhum mal pode
atingi-lo, a não ser aquele que se pratica.
Súbito se ergue, ainda, como uma torre de sombras,
fulgurante em silêncios e gritos,
caminhando perdido por entre a pele e o vento,
com uma centelha de esperança
de ser liberto por uma palavra propícia. 

Criado em: 27/08/2020 Autores: Alexandre-Bene/Flavyann Di Flaff

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