Pular para o conteúdo principal

SENHOR DE MIM

Quando nasci, banharam-me numa pia encardida e cheia de água morta, ali parada há anos. Depois vestiram-me com uma padronagem de séculos de existências, modelo absorvido de geração em geração. Aos meus olhos mostraram coisas absurdas, terríveis, que me faziam querer retornar à segurança perdida. Aos meus ouvidos, pouco ou quase nada falavam sobre isso, dissimulavam um mundo encantado, subvertendo a ordem lógica dos acontecimentos. Deram-me as mãos, em abundância, quando eu não precisava, deixando-as marcadas em meu corpo, e quando delas precisei, sempre que podiam, as negavam. Foram anos até despertar desse torpor, um acordar traumático, porém libertador! Hoje sei quem sou e o que devo fazer para tudo o mais conseguir realizar. Agora sou senhor de mim, nada que vier de fora entrará livremente em meu templo. Antes, passará por uma varredura e se algum mal encontrado for, descartado será. Portanto, tenho aprendido a preservar a serenidade dispensando toda e qualquer emoção ou sentimento negativo, libertando-me, também, de toda crença limitante imposta em prol de um falso bem-estar.

Criado em: 24/09/2020 Autor: Flavyann Di Flaff

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUNDO SENSÍVEL

  E toda vez que eu via, ouvia, sorria, sorvia, sentia que vivia. Então, veio um sopro e a chama apagou.   Criado em : 17/01/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

ILUSIONISTA DO AMOR

  O amante é um ilusionista que coloca a atenção do outro no ponto menos interessante, levando o ser amado a se encantar com o desinteressante. Quando o amante se vai, o amado age como um apostador, que, diante da iminência da perda, se desespera e tenta recuperar o que já foi. Mas, ao invés de encontrar o amor perdido, encontra apenas o reflexo de sua própria carência, como quem busca ouro em espelhos quebrados. Restando, então, ao amado, o desafio de enfrentar o vazio, reconhecer a ilusão e descobrir, enfim, que o verdadeiro amor começa, quando cessa a necessidade de iludir ou de ser iludido. Criado em : 14/11/2024 Autor : Flavyann Di Flaff

ALICIADORES DA REBELDIA

         Nasce no asfalto quente, entre gritos roucos e cartazes mal impressos, o suspiro inaugural de um movimento popular. É frágil, mas feroz feito chama acesa em palha seca. Ninguém lhe dá ouvidos; zombam de sua urgência, ignoram sua fome de justiça. É criança rebelde pulando cercas, derrubando muros com palavras – ferramentas de resistência.           Mas o tempo, esse velho sedutor, vai dando-lhe forma. E o que era sopro, vira vendaval. Ganha corpo, gente, força, rumo. A praça se enche. Os gritos, antes dispersos, agora têm coro, bandeira, ritmo, batida. E aí, justo aí, quando a verdade começa a doer nas vitrines do poder, surgem os abutres engravatados — partidos, siglas, aliados, palanques — com seus sorrisos de vitrine e suas promessas de espelho, instrumentalizam o movimento para capitalizar recursos e influência política, fazendo-o perder a essência.           Chegam mansos, como quem só...