Pular para o conteúdo principal

BON-SAI

Quando ainda era brotinho, a liberdade era a sua fiel tutora. De tudo fazia, para que brincasse todo o dia com a Alegria, a ponto de lhe dar as próprias asas.

Ignorante das coisas do mundo criava seu fantástico universo, no qual sempre o acompanhava a alegria, que mais parecia uma criança em eterno estado de graça. Foram tempos mágicos vividos até ali, todos repletos de travessuras e aventuras, as quais deixaram lembranças para o resto de sua vida.

O mundo já batia à porta dizendo que, sem instrução e algumas crenças, o futuro daquela criança seria incerto. Com a primeira, aprendeu sobre as coisas que via, mas nada sabia delas, a não ser que existiam. Já com a segunda (as crenças), aprendeu, entre outras coisas, que existe outra vida, porém, para alcançá-la, tem que passar por muitas ações (tentações, provações, lamentações e flagelações). Então, ficou a imaginar consigo mesmo, ainda levado pela ingenuidade, que aquele devia ser o mundo dos adultos. Não demorou muito para esse lhe alcançar! Quando percebeu, já estava colocado em um vaso, e logo pensou que ali estava seguro. Que nada! A partir dali, não poderia mais brincar, teria hora para comer e descansar. O abraço diário do sol, só o teria por um tempo determinado; e da chuva, seria poupado. A saudade de vê-la encharcando o solo fértil de sua imaginação, alimentando o seu pequeno corpo de vida, bateu forte em seu peito infante.

Agora, já não era um brotinho, estava encorpado. A Liberdade de outrora veio visitar-lhe em sonho, o que gerou excitação. Parecia que tudo voltaria a ser como antes, contudo vieram as primeiras podas, não podia isso, nem aquilo, tinha que ser dentro do já convencionado. Uma vez que um pensamento mais livre podia gerar um crescimento desordenado, o que era logo podado.

O tempo passava, mas o seu pensamento permanecia ligado à Liberdade e à Alegria, suas antigas companheiras de diversão, o que lhe provocava euforia. Então, a poda, que era quinzenal, passou a ser semanal. Custou-lhe perceber que, graças às convenções sociais, permaneceria uma criança aprisionada em um corpo envelhecido, para todo o sempre, naquele racionalizado mundo.

Criado em: 19/08/2021 Autor: Flavyann Di Flaff

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUNDO SENSÍVEL

  E toda vez que eu via, ouvia, sorria, sorvia, sentia que vivia. Então, veio um sopro e a chama apagou.   Criado em : 17/01/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

ILUSIONISTA DO AMOR

  O amante é um ilusionista que coloca a atenção do outro no ponto menos interessante, levando o ser amado a se encantar com o desinteressante. Quando o amante se vai, o amado age como um apostador, que, diante da iminência da perda, se desespera e tenta recuperar o que já foi. Mas, ao invés de encontrar o amor perdido, encontra apenas o reflexo de sua própria carência, como quem busca ouro em espelhos quebrados. Restando, então, ao amado, o desafio de enfrentar o vazio, reconhecer a ilusão e descobrir, enfim, que o verdadeiro amor começa, quando cessa a necessidade de iludir ou de ser iludido. Criado em : 14/11/2024 Autor : Flavyann Di Flaff

ALICIADORES DA REBELDIA

         Nasce no asfalto quente, entre gritos roucos e cartazes mal impressos, o suspiro inaugural de um movimento popular. É frágil, mas feroz feito chama acesa em palha seca. Ninguém lhe dá ouvidos; zombam de sua urgência, ignoram sua fome de justiça. É criança rebelde pulando cercas, derrubando muros com palavras – ferramentas de resistência.           Mas o tempo, esse velho sedutor, vai dando-lhe forma. E o que era sopro, vira vendaval. Ganha corpo, gente, força, rumo. A praça se enche. Os gritos, antes dispersos, agora têm coro, bandeira, ritmo, batida. E aí, justo aí, quando a verdade começa a doer nas vitrines do poder, surgem os abutres engravatados — partidos, siglas, aliados, palanques — com seus sorrisos de vitrine e suas promessas de espelho, instrumentalizam o movimento para capitalizar recursos e influência política, fazendo-o perder a essência.           Chegam mansos, como quem só...