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OBRA-PRIMA DO DESAMOR

 
Primeiro, ele riscava palavras no ar.
Rabiscos sonoros, pontas afiadas:
“Você não serve! Você não sabe! Você não é nada!”
Era só o lápis, seco, riscando o papel frágil dela.
 
Depois, afinou o traço.
A dor corroía por dentro.
Olhos murchando.
Espelho ficando opaco.
A mão dele não encostava,
porém, apagava tudo a seu redor.
 
Vieram os cortes no orçamento.
Contas bloqueadas.
Sapatos vendidos.
Liberdade empenhada
na casa de penhores do controle.
Era carvão queimando
nas mãos delicadas da esperança.
 
Por fim, o golpe.
Não mais rascunho.
Não mais erro de traço.
Era a moldura pronta,
o sangue espesso,
o silêncio assinado no canto.
 
E chamaram de amor.
E chamaram de destino.
Mas era só o quadro final
de uma obra que nunca deveria ter existido.
 
Criado em: 11/8/2025 Autor: Flavyann Di Flaff

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