Pular para o conteúdo principal

A FAMÍLIA DA NOVA ERA

 

Carregamos no peito a marca da família pós-moderna, um mosaico de rostos, de afetos interrompidos, de lares que não sabem ser morada inteira. O que antes era chão firme, raiz e abrigo, hoje se faz corredor de portas, que se abrem e se fecham depressa demais. No lugar da continuidade, a transitoriedade; no lugar da certeza, o improviso. Crescemos, assim, em territórios que mais parecem paisagens em movimento, onde o lar já não garante abrigo, apenas passagem.

Entre os laços frágeis, aprendemos cedo que o “nós” pode dissolver-se em “eus” solitários, que a mesa partilhada já não é necessariamente partilha, mas coexistência apressada. A lógica do instante, do consumo e do desejo imediato se infiltra nas relações, e cada um carrega sua própria bússola, mesmo que isso signifique perder o norte comum.

E as crianças, os jovens, esses seres ainda em busca de chão, muitas vezes, descobrem-se órfãos de pertencimento dentro de casas cheias. Eles são convidados a habitar fronteiras móveis, a se adaptar ao inacabado, a carregar identidades fragmentadas. Dessa forma, entre afetos líquidos e promessas que se desfazem, o coração aprende a se proteger cedo demais, passando a caminhar vestido com armaduras, pois até o gesto mais simples de carinho soa como ameaça. É como se a vida ensinasse que amar é sempre risco, que confiar é sempre queda. E, no entanto, a proteção precoce cobra caro, porque o que impede a dor de entrar também impede o amor de florescer.

Assim, a família pós-moderna é, ao mesmo tempo, abrigo e desenraizamento. É nela que se experimenta não só a ternura que resiste, mas também o silêncio que separa. É nesse espaço instável que se cultiva, quase sem querer, o sentimento de não-pertencimento — uma espécie de exílio íntimo, no qual o sujeito, mesmo rodeado, pode sentir-se estrangeiro em sua própria casa.

Criado em: 25/8/2025 Autor: Flavyann Di Flaff

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MUNDO SENSÍVEL

  E toda vez que eu via, ouvia, sorria, sorvia, sentia que vivia. Então, veio um sopro e a chama apagou.   Criado em : 17/01/2025 Autor : Flavyann Di Flaff

ILUSIONISTA DO AMOR

  O amante é um ilusionista que coloca a atenção do outro no ponto menos interessante, levando o ser amado a se encantar com o desinteressante. Quando o amante se vai, o amado age como um apostador, que, diante da iminência da perda, se desespera e tenta recuperar o que já foi. Mas, ao invés de encontrar o amor perdido, encontra apenas o reflexo de sua própria carência, como quem busca ouro em espelhos quebrados. Restando, então, ao amado, o desafio de enfrentar o vazio, reconhecer a ilusão e descobrir, enfim, que o verdadeiro amor começa, quando cessa a necessidade de iludir ou de ser iludido. Criado em : 14/11/2024 Autor : Flavyann Di Flaff

LOOP FARAÔNICO

  De um sonho decifrado ao pesadelo parafraseado. A capa que veste como uma luva se chama representatividade, e a muitos engana, porque a vista turva. Ao se tornar conveniente, perde toda humanidade. Os sete anos de fartura e os de miséria, antes, providência pedagógica, hoje mensagem ideológica, tornando o que era sério em pilhéria. A fartura e a miséria se prolongam, como em uma eterna praga sem nunca ter uma solução na boca de representantes que valem nada. O Divino dá a solução, e esses homens nada fazem, deixando o povo perecer num infinito sofrer, pois, basta representar, para fortunas obterem. E, assim, de dois em dois anos, os sete se repetem, como num loop infinito de fartura de enganos.   Criado em : 1/6/2025 Autor : Flavyann Di Flaff