Carregamos no peito a marca da família
pós-moderna, um mosaico de rostos, de afetos interrompidos, de lares que não
sabem ser morada inteira. O que antes era chão firme, raiz e abrigo, hoje se
faz corredor de portas, que se abrem e se fecham depressa demais. No lugar da
continuidade, a transitoriedade; no lugar da certeza, o improviso. Crescemos,
assim, em territórios que mais parecem paisagens em movimento, onde o lar já
não garante abrigo, apenas passagem.
Entre os laços frágeis, aprendemos cedo
que o “nós” pode dissolver-se em “eus” solitários, que a mesa partilhada já não
é necessariamente partilha, mas coexistência apressada. A lógica do instante,
do consumo e do desejo imediato se infiltra nas relações, e cada um carrega sua
própria bússola, mesmo que isso signifique perder o norte comum.
E as crianças, os jovens, esses seres
ainda em busca de chão, muitas vezes, descobrem-se órfãos de pertencimento
dentro de casas cheias. Eles são convidados a habitar fronteiras móveis, a se adaptar
ao inacabado, a carregar identidades fragmentadas. Dessa forma, entre afetos
líquidos e promessas que se desfazem, o coração aprende a se proteger cedo
demais, passando a caminhar vestido com armaduras, pois até o gesto mais
simples de carinho soa como ameaça. É como se a vida ensinasse que amar é
sempre risco, que confiar é sempre queda. E, no entanto, a proteção precoce
cobra caro, porque o que impede a dor de entrar também impede o amor de
florescer.
Assim, a família pós-moderna é, ao mesmo tempo, abrigo e desenraizamento. É nela que se experimenta não só a ternura que resiste, mas também o silêncio que separa. É nesse espaço instável que se cultiva, quase sem querer, o sentimento de não-pertencimento — uma espécie de exílio íntimo, no qual o sujeito, mesmo rodeado, pode sentir-se estrangeiro em sua própria casa.
Criado
em:
25/8/2025 Autor: Flavyann Di Flaff
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