Eu nasci à beira de um rio que sussurra
segredos ao mar. Era ainda menina, batizada com devoção: Nossa Senhora das
Neves, fé em forma de nome, promessa em altar de pedra. Depois, vestiram-me de
Filipéia para agradar a um rei que nunca me viu. Mudaram-me de novo: Frederica,
como se minha alma pudesse ser enlatada nos moldes da coroa estrangeira.
Mas resisti! Cresci entre tambores, missas
e feiras, nas ladeiras quentes onde o barro moldava sonhos e a brisa do
Atlântico espalhava liberdade. A cada nome que me davam, algo em mim se
preservava. Porque sou terra de mistura — não me dobro fácil, nem me deixo
apagar.
Veio a República, e com ela o luto
travestido de homenagem. Mataram João Pessoa — disseram que era mártir
político, herói civil. Mas há quem jure que foi paixão, honra ferida, sangue
derramado por ciúme e vaidade. Seja qual for a verdade, ergueram meu novo nome
como um brasão: João Pessoa, sem me perguntar se eu queria esquecer que um dia fui
Paraíba do Norte, nome que me descrevia com exatidão geográfica e cultural. Um
nome que era meu por direito, moldado pelo rio, pelo mar, pelo povo.
E cá estou. Uma senhora de muitos nomes e
muitas memórias. Carrego o nome de um homem cuja morte divide versões, porém,
nenhuma delas me define por completo. Porque sou mais do que um episódio
trágico: sou canto, sou cais, sou cangaço e candomblé, sou cordel e concreto.
Ergui escolas, universidades, teatros. Vi
crescerem bairros, romperem-se cercas. Vesti o verde das matas e o cinza do
progresso. E, mesmo renomeada, nunca deixei de ser o que sempre fui: um coração
que pulsa entre o Sanhauá e o Cabo Branco. Uma mulher que se reinventa sem
jamais esquecer a sua natureza.
Hoje, enquanto celebram mais um ano do meu
existir, pergunto-me: Será que um nome pode conter tudo o que sou? Talvez não.
Mas aceito o nome que carrego com a dignidade de quem sabe sua história —
completa, sem maquiagem.
E se amanhã quiserem me chamar de novo Paraíba do Norte, sorrirei. Porque nome nenhum apagará a minha essência. Sou cidade viva, feita de gente, lutas e memórias. Sou João Pessoa, e também sou o que fui. Sou todas as minhas versões: Provinciana, moderna, cosmopolita. Sou eterna em cada mudança sofrida.
Criado
em:
4/8/2025 Autor: Flavyann Di Flaff
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