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DO DESALINHO DEIXADO

 

A saudade chegou, como criança, quando da presença de um adulto no ambiente, com pés de lã para não fazer barulho; e quando me dei conta, meu coração já estava apertado, parecendo aquele pintinho nas mãos do menininho que, curioso e afobado, o acaricia de modo descontrolado, fazendo-o expor tudo aquilo que está guardado dentro de si.

Ah, menina danada! Por que vieste do nada e me fizeste nostálgica? Por isso, o dia ficou pesado, a paisagem desbotada, o ar carregado e as horas tristes. Trouxeste reminiscências de momentos que não mais existem, ações que permanecem gravadas nos arquivos das memórias afetivas, as quais quase nunca acesso, a não ser quando me levas até elas.

Depois de veres as minhas emoções expostas, ficas com ares de surpresa e partes atônita, como se alguma travessura tiveste feito. O que fez lembrar-me de que a vida, na imaginação de uma criança, é sempre feita de doces ou travessuras.

Mesmo sabendo que vieste à minha porta, travestida de silêncio, e encontrando-a entreaberta, adentraste sorrateira, causando o que causaste em mim. Digo-te, enfim, que podes ir sem receio de um outro dia voltares; e do desalinho deixado, não se preocupe, cuido eu.

Criado em: 02/11/2021 Autor: Flavyann Di Flaff


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