E ali estava ele, velho e gasto, com os
olhos já mais opacos que o céu nublado das manhãs esquecidas. Sentado na
soleira do barraco torto, construído com o suor dos dias que nunca lhe renderam
glória, lembrava-se de tudo o que entregara em troca de nada.
Era um homem simples, eleitor fervoroso —
desses que apertam a mão do político na feira, que sorriem com esperança mesmo
quando a barriga ronca e o esgoto corre solto no pé do barraco. Durante
décadas, votou com fé. Elegeu, defendeu, aplaudiu. Pintou muros, carregou
bandeiras, distribuiu santinhos como quem distribui a própria dignidade em
migalhas.
Toda eleição era um recomeço, uma nova
chance de se iludir com as promessas polidas, embaladas em discursos que
cheiravam à mentira bem-feita. E ele acreditava. Porque é isso que fazem os que
têm pouco: acreditam. Agarram-se às palavras como quem se agarra a tábuas
flutuantes em mar aberto – à salvação.
"Vai melhorar", diziam.
"Agora vai", prometiam. E ele dizia amém, como a quem se curva diante
de um deus pequeno, feito à imagem e semelhança da ambição de uma ascensão
social. Mas o tempo passou. E as ruas continuaram de terra. A escola continuou
sem merenda. O posto sem remédio. A água, quando vinha, era rara. A violência,
abundante. O barraco, o mesmo. A vida, a mesma. E a pobreza, fiel companheira,
nunca o deixou.
Enquanto isso, o político — o tal
escolhido, a quem chamava de "meu" com uma devoção quase divinal — ascendia.
Subia em carros pretos, em palanques, em cargos públicos, socialmente. Os
filhos desse político estudaram fora, aprenderam idiomas. Os netos dele jamais
pisaram na favela. A vida do tal salvador da pátria floresceu em jardins
regados com votos de gente simples, como ele, um eterno sobrevivente.
E ele, um fervoroso eleitor, agora velho e
impotente, via-se traído. Mas não com raiva, apenas tomado por um silêncio
triste. Silêncio de quem, tarde demais, compreende que foi peça descartável num
jogo que nunca foi seu. Silêncio de quem descobre, finalmente, que o
clientelismo é uma corrente disfarçada de favor, e que a submissão tem um custo
alto demais: a própria vida desperdiçada, uma vez que não fez nada para si
mesmo.
Por fim, na favela, onde o sol ainda bate
sem piedade e a esperança se esconde por entre os becos, resta-lhe apenas o
consolo amargo da lucidez tardia. Porque promessas não constroem casas.
Palavras não enchem barrigas. E político nenhum devolve, em ações concretas e
eficazes, a confiança nele depositada a cada eleição.
Criado em: 2/7/2025 Autor: Flavyann Di Flaff
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