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ANÁLISE EM PROSA

 


Objeto de estudo: O texto A rua do Amor, de Mirian Neves.

A RUA DO AMOR

A rua do Amor pode ser a rua ao lado, a rua de trás, a rua da frente... Porém, se não acredita em sua existência, não a procure mais, pois não nos convém procurar algo em que não acreditamos.

A rua do Amor não tem endereço fixo, ela começa na calçada onde você brincou sua infância. Aí, atravessa a avenida da juventude, dobra a esquina da solidão e pernoita no jardim do encontro. Floresce a árvore da vida, produz sombra para nossa velhice, conforta e abriga o nosso coração machucado de tanto abandono.

A rua do Amor pode ser qualquer uma, não importa a localidade, não importa se é pavimentada, se tem estrutura para receber pessoas ilustres, ela só precisa existir dentro de nossas almas, dentro de nosso desejo de encontrar com a felicidade.

Mirian Neves, in Facebook, 2022.

 

UMA BREVE E DESPRETENSIOSA ANÁLISE DO TEXTO:

O eu lírico não titubeia e já diz o que pensa acerca do sentimento em questão. Vejamos: “A rua do Amor”, nesse título, o eu lírico já expressa o seu entendimento em relação ao amor. Quando ele coloca “rua”, leva-nos a pensar, de imediato, em algo público, acessível a qualquer um. Todavia, não nos apressemos em tirar conclusões, antes, partamos para o 1º parágrafo.


“A rua do Amor pode ser a rua ao lado, a rua de trás, a rua da frente... Porém, se não acredita em sua existência, não a procure mais, pois não nos convém procurar algo em que não acreditamos.” (Neves, 2022)

Após uma leitura atenta, percebemos duas situações criadas, as quais discorreremos a seguir.

A primeira situação nos leva a crer que o eu lírico, depois de emitir a sua opinião acerca do Amor, impõe uma veemente condição a quem tiver interesse de se aproximar. Ele diz que, apesar de o Amor ser acessível a qualquer um, só deve procurá-lo, aquele que acredita nele. Como vemos no trecho a seguir:

 

“A rua do Amor pode ser a rua ao lado, a rua de trás, a rua da frente... Porém, se não acredita em sua existência, não a procure mais, pois não nos convém procurar algo em que não acreditamos.” (Neves, 2022)

Desvendando aquela, partamos para esta. O eu lírico, no calor da emoção, deixa escapar a hipótese de sabermos o gênero de quem se faz protagonista, se já não for aquele, este. Analisemos o seguinte excerto: “[...], não a procure mais, [...]”, em destaque, está uma letra que pertence às vogais. Por si só, nada pode nos revelar, mas se analisarmos bem a sua colocação na frase, permitir-nos-á algumas conclusões esclarecedoras. Para isso, ser-nos-ão dadas algumas condições, as quais conheceremos a seguir:

Condição 1: Se a vogal destacada for um pronome oblíquo, ela passará a objeto e não sujeito. Portanto, fará referência ao termo “rua”, deixando-nos ignorantes acerca do gênero de quem protagoniza a narrativa;

Condição 2: Se a vogal destacada for um artigo, ela definirá o gênero do sujeito, saciando, de vez, a nossa curiosidade.

Condição 3: Transcreveríamos a frase para: Não procure mais a sua rua.”, mas para não gerar ambiguidade, a frase ficaria desta forma: “Não procure mais a rua dele.”. o que nos levaria a formular mais esta condição. Se, em vez da vogal “a”, com sentido dúbio de acordo com a observação feita até aqui, fosse colocado o pronome oblíquo “lhe” com a função de adjunto adnominal, caso ainda em profundo debate e sem consenso entre os gramáticos. Reescrevendo-a, ficaria assim: Não lhe procure mais a rua.

A partir de uma análise morfossintática da transcrição da frase original, expressa anteriormente, chegamos a esta possibilidade de entendimento e sentido, que compõe a última condição:

Não procure mais a rua do Amor. (‘rua’ = nome + ‘do amor’ = adjunto adnominal [ideia de posse], portanto podendo ser substituído por “lhe”). Baseados nisso, perguntamos: Não procure mais a rua de quem? Dele, justificando esta reescrita: Não lhe procure mais a rua. Levando-nos, por conseguinte, a entender que o Amor é dono da rua. A rua é propriedade do Amor. Uma vez que “A rua do Amor [...]” dá ideia de posse, propriedade do Amor.

Como a ideia de propriedade está ligada intimamente ao ser humano. A presente análise nos revela que o eu lírico está dando um tratamento humano ao Amor (personificando-o). O que não parece contribuir muito para desvendar aquele mistério insinuado ao atento leitor.

Definidas as condições, colocaremos a frase na ordem direta e tentaremos resolver a questão. Ei-la: “[...], procure-a mais não, [...]”, dessa forma, a condição 1 é confirmada, tendo como referência o termo “rua”, que nos remete indiretamente ao termo “Amor”, o que lamentamos. Contudo, não nos priva do uso incessante da imaginação ao ver o eu lírico insinuando uma indefinição no protagonismo, que bem pode pertencer a “ele” ou a “ela”, ou ainda imaginar que a frase em questão trata-se de uma ordem, um recado do eu lírico dado a alguém para que se mantenha distante do outro. Afinal, tudo nos é permitido a partir da licença poética.

Esse proteger alguém de algo ou vice-versa, leva-nos a duas hipóteses interessantes: uma já citada, a de que a passagem “[...] não a procure mais, [...]” seja uma ordem, um recado do eu lírico a uma pessoa a fim de proteger uma outra ou a de que ele esteja protegendo o sentimento Amor de uma pessoa que, por não reconhecê-lo, não o merece.

No texto, o eu lírico segue discorrendo sobre o Amor. No segundo parágrafo, ele fala que o Amor não é fixo no tempo, transita em várias fases de nossa existência. Tendo, em cada uma, o reconhecimento do seu devido valor. Leiamos o trecho a seguir:

 

“A rua do Amor não tem endereço fixo, ela começa na calçada onde você brincou sua infância. Aí, atravessa a avenida da juventude, dobra a esquina da solidão e pernoita no jardim do encontro. Floresce a árvore da vida, produz sombra para nossa velhice, conforta e abriga o nosso coração machucado de tanto abandono.” (Neves, 2022)

Como percebemos, o Amor perpassa a nossa vida, não fica preso a uma época. Na infância, é tão natural, que parece uma brincadeira; na juventude, requer cuidados que ainda não sabemos dar, por isso, somos vitimados por ele, sofrendo dores que são aumentadas, muitas das vezes, devido ao despreparo emocional da gente. Na solidão, é-nos dada a oportunidade de conhecer o autoamor ou amor-próprio, que tantas vezes nos salva do abismo; mas o Amor, mesmo cansado, porque ele às vezes cansa, cheio de esperança, descansa na certeza do encontro. Quando esse acontece, a vida floresce, produz a “sombra” companheira que nos abriga e nos conforta até o ocaso da vida.

Por fim, o eu lírico, depois de se desnudar para nós, demonstra a existência de esperança em seu machucado coração. Podemos confirmá-la neste trecho:

 

“A rua do Amor pode ser qualquer uma, não importa a localidade, não importa se é pavimentada, se tem estrutura para receber pessoas ilustres, ela só precisa existir dentro de nossas almas, dentro de nosso desejo de encontrar com a felicidade.” (Neves, 2022)

Portanto, para o eu lírico, o Amor pode ser único, não importando onde, quando, como e nem porquê, basta que exista em nós como um desejo incondicional de ser feliz, uma felicidade pura e sincera.

Por Flavyann Di Flaff - 26/01/2022


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