Feito gente com iniciativa, decidida como nunca, aboletou-se na calçada – margem da estrada da vida – e entregou-se à submissão coletiva. Cotidianamente, aceitava as esmolas ofertadas pelos senhores do sistema. Com o tempo, conformou-se com o contínuo estado de sobrevivência em que fora submetido subliminarmente. Já não fazia questão de mudanças, e só de ouvir falar nessa palavra, o sossego ameaçava-lhe fugir, assim, melhor ir deixando tudo como está. Afinal, melhor o pouco certo que o muito duvidoso, como certo é o seu estado de torpor.
Há vinte anos era assim a sua vida, um
exemplo seguido pelos seus. Filho e filha que geraram netos, descendentes e
herdeiros do mesmo quinhão, habitantes do mesmo fim de mundo em que sempre se
escondeu, apesar de, recorrentemente, ter acreditado em muitas promessas de
quem vestia a máscara de salvador da pátria. As promessas não vingavam e eram
amontoadas no porão do esquecimento, e, a cada dois anos, eram requentadas e
servidas quentes para os famintos, gentes como Dicéia. Por isso, é que se diz que a
luta pela sobrevivência é um prato que se come sempre frio e a qualquer hora,
basta que a necessidade reclame mais alto. É ela que, em estado extremo, cega,
ensurdece e emudece, fazendo com que o indivíduo permaneça alheio à vasta e
complexa realidade que o cerca.
Enquanto descansa a carcaça, sonha com o
“impossível”, e na fuga das horas, ecoam belas retóricas sobre a
universalização dos direitos – cantos que remetem àqueles seres míticos que
encantavam e arrastavam os incautos às zonas abissais do vasto mar da
existência.
Acorda, arremedo de Quixote! Hypnos entorpece a consciência e mergulha-nos no Lete. Retoma as rédeas, faz reviver a iniciativa, outrora entregue por trinta moedas! Anda, não vê que ficou inerte por muito tempo?! A sua luta é outra! Despreza esse presente de grego, embrulhado em um belo papel do Estado como o pai de todos, o grande provedor! Despreza a venda de boas intenções, ela só cega o entendimento! Por fim, não esqueça, Ó, Dicéia, não se renda àqueles que dificultam a sua jornada, vença-os com sabedoria e discernimento!
Criado
em:
17/11/2024 Autor: Flavyann Di Flaff
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