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IRONIA DO DESTINO

Depois de mais uma briga, ele sai de casa, pois o ambiente privado, antes acolhedor, de uns tempos para cá, tem se tornado sufocante. Sem rumo, segue o fluxo, que, alheio a seu péssimo momento, conserva-se frenético. Acelera o passo com a clara intenção de fugir daquele momento, abandoná-lo, mas é em vão. Exausto, frustrado pelo utópico esforço, entrega-se ao desvario do sofrimento. Ali está ele, que, levado pelo mar urbano, chega à faixa litorânea e joga-se ao jogo automático das ondas. Sentado na faixa de areia, as lembranças vão e vêm provocá-lo. Nessa loucura, a subjetividade é irrelevante, o que importa é a certeza da onipresença da companhia. Então, começa a confessar a sua dor ao atento amigo, sem nem lhe perguntar o nome:

– Não é engraçado como o tempo faz o sentimento esgotar-se em uma relação, sem que saibamos de quem é a culpa. Por nos sentirmos impotentes, pressentimos, apenas, o seu enfraquecimento, sem que jamais um ou outro admita o fim, pelo simples fato de não nos damos conta do ocorrido. Porém, eu sinto falta do tempo em que éramos (eu e ela) loucos um pelo outro. Quando estávamos seguros um com o outro, apesar do pouco ciúme que tínhamos. Ah, se o tempo pudesse trazer de volta os dias em que éramos apaixonados! Queria sentir-me desse jeito novamente. Posto que era tão fácil se sentir assim. Bastava um toque, um olhar e nos sentíamos entorpecidos. Contudo, agora, não há mais nada a se fazer, porque sei que não há mais sentimento, só frustração, tanto eu como ela temos essa certeza. Desculpa, meu caro amigo, por me alongar, mas vou indo, grato por me ouvir, o seu silêncio me reconfortou, pois sei que foi de compreensão e acolhimento.

O rapaz partiu sem definir seu rumo, entretanto teria que retornar à sua casa e decidir seu destino. O onipresente amigo permaneceu onde estava e acompanhou o amalucado ser com seus olhos incansáveis.

Mal sabia, o autor de tão padecente desabafo, que o seu confidente imaginário, cujo nome é Tempo, fora cúmplice do hábito, que, juntos,  contribuíram para o término do saudável sentimento que muito nutria o seu relacionamento, agora em franco abalo.


Criado em: 27/05/2019 Autor: Flavyann Di Flaff


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