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O NATIMORTO


Durante meses, ele fora cultivado com todas as expectativas possíveis. Quando da ciência ainda prematura de sua existência, fez-se uma explosão de contentamento. Em seguida, coisa típica a marinheiros de primeira viagem ou de muitos mares tempestuosos navegados, veio uma insegurança. Esta foi permeando todo o período de gestação, mas sem nunca impedir uma maior aproximação para se conhecer mais, com respeito, apesar de certo estranhamento de ideais. Tudo isso serviu para dar prolongamento ao que já fluía, mesmo que nunca ficasse amplamente explícito.
O tempo corria meio conturbado, comprometendo assim, a futura existência do que ainda era um rascunho – um desenho de vontades imaginadas. Não sabia explicar, mas causava-lhe estranheza, o fato de não existir diálogos sobre o que ocorria naquele espaço mútuo. Era como se cada um não quisesse expor as suas dúvidas, inseguranças e intenções, por pensar que o outro não as compreenderia, não as entenderia. Com isso, tudo ficava no campo das suposições, das especulações individuais, afetando, séria e negativamente, o embrião de algo que surgira de forma tão espontânea, produzindo abstrações tão improváveis, quanto possíveis. Bastando para que estas fossem realizadas, a existência da combinação das vontades dos implicados.
Certo dia, quando as expectativas ainda esperavam por ser atendidas, apesar do cenário em desacordo, eis que veio o choque, e o que estava sendo formado no ventre daquela convivência, surgiu por inteiro, ali na sua frente, já sem cor, sem ânimo, sem vida. Era o retrato perfeito do que pressentira, porém, nunca quisera admitir para si mesmo. Duro foi olhar a expressão de “tanto fez, como tanto faz” no semblante alheio, isto sim, lhe feriu mortalmente a alma, mais que tudo de ruim, que já sofrera até aqui, pois sabia que o que se concebia, até então, jamais teria ambiente saudável à vida. Olhou o natimorto como se tivesse perdido um ente mais do que querido, carpiu até secar-se por dentro. Em seguida, prometera cumprir o luto, até que a próxima primavera se fizesse presente em seu peito.


Criado em: 01/12/2015 Autor: Flavyann Di Flaff

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