A folha caída clama por uma intervenção
poderosa do processo criador. Lastima o descaso a ela imposto, não entendendo o
porquê dele, se tudo o que fez foi servir, sem nunca murmurar, aos caprichos
daquele que tudo nomeia.
Ela chora pelo mal que não é só temido
pelos homens, mas também pelas coisas inanimadas, o esquecimento. Esse que é
gerado pela obsolescência e que é considerado a morte em vida, agora lhe
acomete ferozmente, já que não é mais procurada para exercer o que lhe foi legado,
arquivar e preservar todo o processo criativo nos mínimos detalhes.
Com o passar do tempo e a evolução das
coisas, foi substituída, paulatinamente, por um arquivista tecnológico, uma
nova ferramenta que reproduz a folha através de um processo digital.
Sob o manto da abstração coletiva de uma
contribuição à preservação ambiental, o arquivista tecnológico foi inserido no
cotidiano do criador, acabando com a magia da tinta azul se eternizando na
brancura do papel, dessa forma, a troca se fez. A tela de luz azul se tornou
branca e, convidativa, atraiu, por meio de estímulos visuais danosos e
efêmeros, o desejo daquele que tudo nomeia, a fim de deixar uma marca no mundo.
O homem, esse que é imagem e semelhança do
Criador, é um adorador por natureza, que, tendo o livre-arbítrio, na dúvida
(incerteza da existência Daquele), escolhe reverenciar o que lhe for
controlável e útil. Assim, rende-se às veleidades do ser fluorescente (luz do
submundo), que, por ser luz semelhante, faz-se imagem da perfeição; prometendo,
através de um dissimulado processo de higienização, a escrita perfeita do
começo ao fim, isto é, eliminando todos os indícios inerentes ao transcorrer do
processo de criação textual, tais como a presença dos erros de grafia, da troca
de um termo por outro etc., revelando-nos apenas o texto perfeito em todos os
sentidos no final, como se não existisse o começo e o meio (rabiscos do
construir), mas apenas a obra final.
Diante disso, nós, que caímos em tentação ao substituirmos a folha de papel pela tela digital, ou seja, o escrever pelo digitar, desprezando o ato de eternizar todas as etapas do processo criativo textual, para deixarmos nossas marcas na areia. Possamos tomar consciência da grave ameaça que essa substituição representa e, utilizando, de novo, o poder do livre-arbítrio, retornemos ao princípio de tudo, resgatando o legado que, recentemente, fora desprezado.
Criado
em:
16/07/2023 Autor: Flavyann Di Flaff
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